Após fazer uma boa leitura, passei a alternar, lia e depois fechava a bíblia e meditava.
Fiquei umas duas horas assim. Depois desci do carro como um cidadão que acabou de
passar por cirurgia delicada e assim se vê obrigado a encostar o pé de mansinho no
chão. Eu não tinha a exata idéia no que os meus pés iriam se apoiar. Fiquei no escuro
imaginando qual o lado da estrada que iria entrar mata adentro e então, decidi a entrar
pelo lado direito. Antes de fechar a porta do jipe, enquanto ali parado, percebi que algo
roçava as minhas pernas, de leve, feito gato quando quer agradar o seu dono, mas o bafo
quente soprava no meu pescoço, desmantelando assim o meu penteado. Olha que fui
muito bem penteado... Fui bonito para que Oksana me achasse elegante. Mesmo tendo
os cabelos crespos, passei até laquê para ficarem durinhos... Mas confesso que nunca
tinha sentido tanto medo em toda a minha vida. Enquanto eu era apalpado e o meu
corpo roçado de todas as maneiras, os meus pés não se deslocaram centímetro, parecia
colados ao chão. Cheguei a urinar na roupa sem me dar conta... Urinei de um jeito que
nunca ouvi dizer que alguém conseguisse façanha igual ou parecida. Enquanto a urina
obrigatoriamente teria que descer, pois eu estava em pé, ela subia servindo de emoliente
para os meus cabelos. Pode? Parece diário ou conto de um louco, mas não é. Então, ali
parado pensei: _Por amor a Oksana suportarei.
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17
Pra relaxar e tirar a tensão, em que nesse momento me encontrava, pois os nervos do
meu corpo estavam todos contraídos, resolvi estufar o peito e cantar um corinho que
cantávamos na igreja, quando éramos crianças. Que era assim:
“Estamos muito alegres, Jesus está aqui. Sentimos alegria, sentimos união.
Sentimos que Jesus está aqui em nosso meio, por isso temos paz no coração.”
Repeti por vezes, até me acalmar, depois respirei fundo e assim aliviou boa parte do
que estava sentindo. Eu, uma mochila com a bíblia, algum alimento e um farolete.
Antes de cantar, quando me vi pregado ao chão eu citava algumas partes bíblicas que já
sabia de cor e salteado... Pelos vários problemas que estava sentindo, acho que nem os
citei em ordem, estou bastante certo que não, pois o medo dentro de mim; era tamanho.
“E olhei, e eis que vieram nervos sobre eles, e cresceu a carne, e estendeu-se a
pele sobre eles por cima; mas não havia neles o espírito. E ele me disse: profetiza
ao espírito, profetiza ó filho do homem, e dize ao espírito: Assim diz o senhor
Jeová: Vem dos quatro ventos, ó espírito, e assopra sobre estes mortos, para que
vivam.
”
Mesmo que o medo absurdo fizesse com que o meu corpo parecesse que eu estivesse
com milhares de corações, pois o meu corpo todo pulsava do dedão do pé, até o último
fio de cabelo, pensei em descer bem lentamente... Ali parado, mesmo cantando, pensei
bastante, medi e avaliei as conseqüências, na tentativa que o meu inicio fosse bem
graduado. Tinha que descer aos poucos. Agora tinha que ser bem paciente para não
correr risco de morte... Todo esse esforço era para um único objetivo; resgatar Oksana,
viva ou morta. Eu a queria em qualquer situação, eu ainda a amava. Amarei todos os
meus pertences ao meu corpo para não ocupar as mãos, iria necessitar delas livres, ia
precisar como nunca tinha precisado. Enquanto estava me protegendo, continuei;
_Quem cultiva um grande amor como eu; faz qualquer negócio para defender o seu
parceiro. Faz-se tudo para que, esse nunca se perca. Os anjos estão comigo nessa luta,
eles vão me defender. Será? No botei o meu primeiro pé, desci como uma bola de
futebol, meio murcha. No que fui; não tive tempo nem pra raciocinar. Então, fiz nessa
viajem cruel e repentina a mais dolorosa de toda a minha vida. No trajeto que fiz,
enquanto me lamentava sem poder fazer coisa alguma, tropeçava e me debatia em tudo,
mas a viajem rendia mais que passos. Desacordado eu não sei por quanto tempo durou a
viagem da estrada até a boca de um riacho. No que cheguei, quer dizer; no que acordei,
levantei-me, e enquanto me desvencilhava de muitas folhas secas e inúmeros cipós;
olhei na parte de baixo do terreno, ainda com as vistas embaralhadas, um vale que
parecia clarear devido tantos ossos secos. Eram ossos, eu tinha certeza... Não era muito
perto e fácil chegar até lá, mas... Eram ossos. Eu poderia perder a minha própria vida se
tentasse resgatar Oksana, mas estava disposto a tentar. Embasbacado fiquei a olhar e
então, olhei para o meu lado esquerdo e pude ver uma caverna de tamanho grande, mais
se parecia com uma casa. Pensei, se eu conseguir chegar até lá, quando deitar a noite,
vou repousá-lo ali, deve ser confortável, melhor que no relento. O sol se escondia cedo
do dia, pois o tempo parecia se formar tempestade. (Vejam só, passei uma noite e quase
um dia rolando...E não morri, mas não sei como os meus pertences que foram amarrado
em meu corpo desapareceram sem deixar vestígio algum, só me restou a mochila. Estou
pensando até agora; tem algo muito errado nessa viagem. Como pode alguém rolar em
meio tantos cipós e árvores?) Admirado com a caverna e pensando como subir e entrar
nela, foi que percebi que não estava sozinho! No que pressenti alguém por perto o meu
corpo todo se alegrou. Nunca tive essa sensação, mas a verdade é o que aconteceu. Senti
uma paz interior tão grande e o meu corpo respondeu como estivesse celebrando algo de
muito bom. Imagine a sensação de alivio e prazer depois do amor correspondido. É
incomparável e de difícil argumento, mas vou comparar a esse momento.
PEQUENA PARTE DO TEXTO QUE ESTÁ DEVIDAMENTE REGISTRADO NA BIBLIOTECA NACIONAL.
MARY PEGO